A energia que vem da mãe
Esta reflexão é sobre uma estrutura minúscula que existe em todas as nossas células e na de quase todos os seres vivos, a mitocôndria. A maioria de nós, quando lembra deste nome, sabe vagamente que atua no famoso e complicadíssimo Ciclo de Krebs. Existe uma pequena parcela de seres humanos que consegue a proeza de entender e explicar este ciclo, que é o responsável por produzir a energia que alimenta as funções da célula. Portanto, é uma etapa fundamental para a nossa vida a cada segundo. A morte celular também é orquestrada por esta organela. No texto será destacado um fato conhecido, mas cuja razão ainda não se sabe : que a mitocôndria possui apenas o DNA da mãe.
Por Andrea Martha de Oliveira
CRF/PR 54
28/04/202351

Vou contar uma história fantástica, daquelas difíceis de acreditar. A personagem principal é a famosa mitocôndria que está presente em todas as nossas células e participa da respiração celular, produzindo energia.
Existem muitas lacunas nesta história, então vamos para o começo de tudo. A teoria que é aceita até hoje, é a seguinte: na origem da vida, quando os seres eram unicelulares, uma bactéria que vivia na presença de oxigênio foi englobada por outra bactéria que vivia na presença de metano. Seria uma ação parasita, como uma infecção.
Mas o que era para ser ruim passou a ser bom para as duas bactérias, que tiveram maior chance de sobrevivência.
Assim, as mitocôndrias que temos hoje seriam originárias de bactérias. Como esta organela produzia energia de maneira muito eficiente, a bactéria que vivia na presença do metano se tornou sua hospedeira e desenvolveu-se uma relação de troca, isso se chama endossimbiose. A partir dai, na divisão celular, a mitocôndria também passou a se dividir e todas as células passaram a ter esta organela. Mas os genes (DNA) da mitocôndria são diferentes dos genes da célula.
Quantas mitocôndrias existem em uma célula?
Em uma célula existem centenas destas organelas e seu número varia de acordo com a maior ou menor necessidade de energia. Uma célula do fígado, com alta atividade metabólica, possui 2 mil mitocôndrias. E todas com o DNA da sua mãe.

Pausa dramática. Pare, respire e pense sobre isso
Linhagem materna
Enquanto todos os componentes do seu organismo são resultado de uma mistura genética de seus pais, as mitocôndrias só têm o código genético materno. O motivo pelo qual isto ocorre é desconhecido. Durante a fecundação, as mitocôndrias trazidas pelo espermatozóide são degradadas em um curto período de tempo, restando apenas as provenientes do óvulo materno, que darão sequência á produção das demais sucessoras. A demora neste processo de degradação causa a morte do embrião formado.
Os primeiros artigos publicados sobre este comportamento específico da mitocôndria datam da década de 1960. Os pesquisadores americanos David Luck e Ed Reich comprovaram em 1966 a herança materna do DNA mitocondrial.
Em 2018, um estudo publicado pelo grupo de geneticistas do Dr. Taosheng Huang de Cincinnati, Estados Unidos, declarou que sim, existem pessoas que possuem uma mistura de genes materno e paterno nas mitocôndrias, mas são raríssimos.
Mitocôndrias e fertilidade
Na sequência desta história inacreditável, as mitocôndrias também podem desempenhar o papel de energético para reprodução. Com o passar dos anos, os óvulos vão envelhecendo e perdendo a quantidade de mitocôndrias (ou envelhecem porque perdem as mitocôndrias…). Esta perda causa prejuízo na divisão dos cromossomos, podendo influenciar o aumento da incidência de malformações fetais em mulheres com idade avançada. O trabalho desta organela celular também interfere diretamente na implantação do embrião no útero, determinando a capacidade energética da célula.
Uma técnica ainda em fase experimental chamada de Microinjeção de Mitocôndrias, coleta mitocôndrias da própria paciente e as injeta no óvulo durante a fecundação in vitro, ao mesmo tempo que se injeta o espermatozóide.
Fique atento para a escala dos acontecimentos descritos: as mitocôndrias podem ser em média 45 vezes menores do que um óvulo, são coletadas em células do ovário da paciente, separadas e injetadas em outra célula.
Vida sem mitocôndrias ?
Polêmicas seguidas de polêmicas, o problema de encontrar algum ser vivo sem mitocôndria é a discussão sobre a origem da vida e sua evolução. Este ser foi encontrado. Em 2016, pesquisadores da Universidade de Praga, publicaram o resultado de seus estudos e descreveram um ser vivo eucarionte que não possui mitocôndrias. Anote aí: um microrganismo unicelular que habita nas vísceras das chinchilas, chamado de Monocercomonoides. A produção de energia neste caso é feita no citoplasma da célula. Agora resta o desafio para encaixar esta peça do quebra-cabeça.
Fim da história
Vou terminar a história com mais dúvidas do que quando comecei, apesar de ter atualizado o conhecimento.
Com o DNA das mitocôndrias, foi possível traçar o caminho da espécie humana desde sua origem no continente africano e isso em pouquíssimo tempo, lembrando que as pesquisas começaram na década de 1960.
A ciência forense utiliza este material genético para fazer reconhecimento de corpos de origem desconhecida, para localizar pessoas e desvendar crimes. Existem muitas doenças decorrentes do mau funcionamento desta organela celular, portanto com mais estudos, provavelmente mais procedimentos terapêuticos serão definidos.
Eu gostaria de saber se as mitocôndrias que eu tenho em minhas células são iguais ás de minha mãe ou da minha avó, e quantas mudanças ocorrem com as mutações durante a divisão celular?
Qual seria o motivo biológico para os genes dos pais não se misturarem durante a fecundação?
A seguir cenas dos próximos capítulos….

BIBLIOGRAFIA
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