Quantos somos? Quantos brasileiros nascem por ano? Quantos de nós morrem? Como está o crescimento populacional do Brasil e quem consegue fornecer esses dados?

Por Andrea Martha de Oliveira

CRF/PR – 5451

12/04/2023

Neste artigo vamos caminhar por esta seara, escolhendo o período entre 1996 e 2020 no Brasil e descobrir alguns “segredos” por trás destes números, tão importantes para visualizar a população brasileira e traçar estratégias coerentes com a realidade que vivemos. Essa informação é fundamental para o planejamento e execução de atividades nas áreas de saúde, educação, assistência social, previdência social, desenvolvimento econômico, jurídica, entre outras. A escolha do período será explicada no decorrer do texto. Para dar foco a várias facetas, o conteúdo foi dividido em duas partes, esta primeira a abordagem será em torno da origem dos dados; na segunda, a discussão atravessa os indícios da queda da taxa de fecundidade e aumento da mortalidade com reflexões no mínimo intrigantes. O olhar com “lentes de aumento” sobre gráficos e números revela o registro do que vimos estampado nas notícias dos jornais sobre saúde pública. Aproveito para agradecer aos milhares de profissionais que coletam e cadastram estes dados e a possibilidade do livre acesso aos mesmos no Brasil.

Esta discussão só é possível ocorrer quando um país possui transparência nos dados que informa á população

Já chegamos ao topo do crescimento ?

Depende de qual crescimento estamos falando. Para saber se um país está em crescimento, estabilidade ou queda populacional, um dos índices utilizados é o chamado crescimento vegetativo, obtido pela diferença entre o número de pessoas que nascem e o número de pessoas que morrem por ano em um local. No Brasil, o crescimento vegetativo está em queda, o pico foi atingido entre as décadas de 1960 e 1970 e como sabemos, no Brasil se registra a diminuição da taxa de fecundidade e o aumento da população idosa, apontando para o envelhecimento da população1.

Apesar da queda do crescimento vegetativo, o Brasil ainda não atingiu o pico do crescimento populacional, o número máximo de habitantes, que está estimado para o ano de 2042 quando se prevê um número de 228 milhões de habitantes. Essa descrição fica melhor visualizada no Gráfico 1, em destaque o período delimitado nesta análise. Depois de 2042 a população brasileira apresentará queda, com estimativa de 182 milhões de brasileiros em 2100, conforme a projeção média da ONU.

Mas este número, segundo José Eustáquio Dinis Alves, pode variar entre 120 e 240 milhões, a depender de três fatores: natalidade, mortalidade e migração1. São números muito díspares em um curto espaço de tempo, demonstrando o teor do desafio de quem tem como missão planejar as estratégias no Brasil, tanto no aspecto público como empresarial. O ideal é observar com constância as movimentações dos índices .

Gráfico 1

Fonte: ALVES, 2021. Disponível em: https://www.ecodebate.com.br/2021/07/07/populacao-e-transicao-demografica-no-brasil-1800-2100/

Quais números podemos utilizar em estudos sobre nossa população?

O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) é o responsável pela contabilização da população do Brasil e divulgação dos dados para a sociedade. Este órgão coleta os números através dos censos que são periódicos e a partir disso faz estudos de projeção dos índices e taxas, que envolvem margens de erro para cima ou para baixo dos números divulgados. Também se utiliza de informações disponibilizadas pelos demais sistemas de coleta de dados, entre eles o DATASUS, que desde 1991 fornece os dados para apoiar o Sistema Único de Saúde (SUS) nas suas mais variadas tarefas. Neste estudo vamos utilizar os números da taxa de natalidade e taxa de mortalidade fornecidos pelo DATASUS, que não são dados projetados, mas sim resultantes de cadastros no sistema 2 3. Como os dados da taxa de mortalidade disponíveis para a consulta no Tabnet do DATASUS vão de 1996 a 2020, este foi o critério limitante do período deste artigo.

O DATASUS é o sistema de informática do SUS que centraliza a coleta e a divulgação dos dados do Ministério da Saúde. O sistema é alimentado por profissionais de saúde e responsáveis, que cadastram as rotinas dos hospitais, postos de saúde, clínicas, etc.

IBGE fornece à ONU as informações referentes ao crescimento populacional do Brasil, que se tornam disponível a todas as nações, publicadas pelo DESA que é o Departamento para Assuntos Econômicos e Sociais4. Comparando os dados exibidos pela ONU entre 1996 e 2020 (Gráfico 2) e os fornecidos pelo SUS (Gráfico 3), notam-se grandes diferenças até o ano de 2011, como ilustrado abaixo.

Gráfico 2 – Número de Nascidos Vivos e Óbitos no Brasil

Fonte: UN. DESA. Disponível em: https://population.un.org/wpp/Graphs/DemographicProfiles/Line/76

Gráfico 3 – Número de Nascidos Vivos e Óbitos no Brasil

Fonte: Dados obtidos a partir das taxas de Nascimento e Óbitos fornecidos pelo DATASUS:. Disponível em: http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/tabcgi.exe?sinasc/cnv/nvuf.def e http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/deftohtm.exe?sim/cnv/obt10uf.def

Começando pela taxa de natalidade, no ano de 1996, por exemplo, o valor coletado pelo Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos (SINASC) que alimenta o DATASUS, foi 15% menor do que o estimado pelo IBGE, e isso é conhecido como SUBNOTIFICAÇÃO. Em números, são cerca de 520 mil nascimentos vivos a menos no sistema do Ministério da Saúde em um só ano. No ano de 1997, seguindo este raciocínio, deixaram de ser computados 440 mil brasileiros e assim por diante.

Esta subnotificação seria um dos “segredos” encontrados no Crescimento Populacional Brasileiro? Não, essa ocorrência é bem informada pelo próprio SUS e tem que ser levada em consideração nos estudos estatísticos, principalmente antes de 2011, no caso do DATASUS 2 3 5.

Nestes 25 anos, a diferença entre os dados estimados pelo IBGE e os computados pelo DATASUS teoricamente gira em torno de 6 milhões e 200 mil nascidos vivos a menos nos registros do Ministério da Saúde. Quase a população da cidade do Rio de Janeiro 6 7.

Os esforços adotados para reduzir a subnotificação foram eficientes, como demonstrado no Gráfico 4. Em 2020, a diferença de subnotificação foi estimada em 0,69%, correspondendo 18 mil nascidos vivos. Grande evolução neste processo.

GRÁFICO 4 – Cobertura do Sinasc – Razão entre nascidos vivos coletados pelo SIM, e nascidos vivos projetados pelo IBGE, 2000 a 2011, Brasil

Fonte: Sinasc – CGIAE/SVS/MS . Disponível em: http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/sinasc/Consolida_Sinasc_2011.pdf

Então ao olharmos um Gráfico, mesmo obtido com dados de fontes oficiais, é importante conhecer origem destes números e a robustez dos valores divulgados, fato que só é possível com transparência na informação.

Mas como essas subnotificações ocorrem?

Quando um bebê nasce com vida no Brasil, é emitido seu primeiro documento como cidadão, que se chama Declaração de Nascido Vivo (DNV).

Este documento é necessário para obter a Certidão de Nascimento. O número da DNV atualmente já é vinculado ao número da Carteira Nacional de Saúde que assim unifica a informação de cada pessoa desde os exames de pré-natal 8.

A DNV pode ser emitida até três anos após o nascimento de uma criança, caso isso tenha acontecido em domicílio sem assistência de profissional de saúde ou de parteira tradicional. Neste ponto já encontramos desvios de dados com partos ocorridos em domicílios e não informados, como os registros tardios. Também impactam questões relacionadas ao preenchimento sistema, dúvidas com códigos e até a “peregrinação das parturientes”, que não declaram corretamente o endereço para serem atendidas em outros municípios, gerando distorções no cadastro9. Ao que parece, muitas destas dificuldades foram solucionadas após 2011.

Ainda falando sobre a taxa de natalidade, como curiosidade, ainda existem brasileirinhos que nascem, possuem a DNV mas não são registrados no Cartório, ficando sem documentos, e não, o número não é tão pequeno, em 2020, estima-se que 2,6% dos que nasceram (cerca de 71 mil) não foram registrados. Os motivos para que isto aconteça são vários: mães adiam o registro de filhos que não têm o reconhecimento inicial ou espontâneo da paternidade; falta da documentação dos pais, impossibilitando a realização da documentação dos filhos; distâncias dos cartórios e o custo do deslocamento; desconhecimento da importância do registro, de sua gratuidade e de que inexiste multa para sua efetivação fora do prazo e até dificuldade de acesso a cartório 10 11.

Passando da taxa de natalidade para a de mortalidade, também observamos diferenças entre os números do Gráfico 1 e 2. E a dúvida segue, quais seriam os problemas para o cadastro dos óbitos no sistema SIM?

Taxa de Mortalidade – os dados que alimentam o DATASUS fazem parte do Sistema de Informação sobre Mortalidade (SIM), de responsabilidade da Secretaria de Vigilância em Saúde, na área de Epidemiologia. A coleta das informações é feita pela Declaração de Óbito emitida por médico designado. Este documento é direcionado para as Secretarias Municipais de Saúde, e as informações contidas neste documento são registradas no sistema 12.

A Dra. Maria de Fátima Marinho de Souza, médica pesquisadora com vários cargos na área de Saúde Pública, cita alguns desafios envolvendo a emissão da Declaração de Óbito no Brasil. Os dados cadastrados no DATASUS foram atestados por médico responsável. No caso de Certificado de Óbito emitido pelos cartórios, existem casos de fraudes por causa de seguro, por alguém que quer se passar por morto. Ás vezes a pessoa morre em casa e o médico fica com receio de emitir a declaração de óbito. Em áreas pobres e rurais muitos enterros ocorrem em cemitérios não oficiais. Entre 2013 e 2018 o Brasil notificou entre 95 e 99% dos óbitos, mas nem todos resultaram em registro no Cartório Civil, pois depende que a família vá até o cartório, envolve custo. Apesar da diminuição do sub-registro de Certidão de Óbito, a estimativa é de que em 2018 este número foi de 4% (55 mil pessoas) e em 2019 de 3,8% (40 mil pessoas) 13 14 15 .

Um Gráfico que envolve números de pessoas nunca é apenas um gráfico, é uma coletânea de histórias, situações, desafios, tudo o que somos e como enxergamos o mundo. Agora que conhecemos melhor a origem dos números, passemos para a segunda parte, e ver o que se poderá concluir.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1 – ALVES, J.E.D. População e transição demográfica no Brasil: 1800-2100. Disponível do em: https://www.ecodebate.com.br/2021/07/07/populacao-e-transicao-demografica-no-brasil-1800-2100/

2 – BRASIL. DATASUS. Nascidos Vivos. Disponível em: http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/tabcgi.exe?sinasc/cnv/nvuf.def

3 – BRASIL. DATASUS: Óbitos. Disponível em: http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/deftohtm.exe?sim/cnv/obt10uf.def

4 -UN. World population prospect 2022. Disponível em: https://population.un.org/wpp/Graphs/DemographicProfiles/Line/76

5 – IBGE. Estimativa do Sub-registro de nascimentos. Obtido em: https://www.ibge.gov.br/estatisticas/sociais/populacao/26176-estimativa-do-sub-registro.html?edicao=35849&t=resultados

6 – RIPSA. Indicadores de Cobertura. Obtido em: http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/idb2000/fqf10.htm

7 -BRASIL. Consolidação do Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos – 2011 . Brasília, 2013 Obtido em: http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/sinasc/Consolida_Sinasc_2011.pdf

8- BRASIL. Declaração de Nascidos Vivos. Manual de Instrução para o preenchimento. 4ª ed. Brasília, 2022.

9 – DRUMOND, E.F., et al.Subnotificação de nascidos vivos: procedimentos de mensuração a partir do Sistema de Informação Hospitalar. Rev Saúde Pública 42(1), 2008

10- IBGE. Estatística do Registro Civil 2012. Obtido em: https://crianca.mppr.mp.br/arquivos/File/publi/ibge/ibge_registro_civil_2012_v39.pdf

11 – PJERJ Subregistro de nascimento. 2021 Disponível em: http://cgj.tjrj.jus.br/sub-registro-de-nascimento

12- BRASIL. Declaração de Óbito. Manual de Instruções para o preenchimento. Brasília, 2022. Disponível em: Declaração de Óbito – manual de instruções para preenchimento — Ministério da Saúde (www.gov.br)

13 – PJERJ. Especialistas debatem identificação de pacientes e corpos no Sistema de Saúde. 2018. Disponível em: http://cgj.tjrj.jus.br/noticias/noticia/-/visualizar-conteudo/1017893/5979694

14 – GIOVANAZ, D. Mais de 70 mil mortes por dia não são registradas; África tem maior defasagem. 2020. Disponível em: https://www.brasildefato.com.br/2020/06/22/covid-mais-de-70-mil-mortes-por-dia-nao-sao-registradas-africa-tem-maior-defasagem

15 – AGENCIA BRASIL. Registros de óbitos no Brasil tem alta de 14,9% em 2020. https://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2021-11/registros-de-obitos-no-brasil-tem-alta-de-149-em-2020#:~:text=J%C3%A1%20o%20sub%2Dregistro%20de,ser%C3%A3o%20divulgadas%20em%20momento%20posterior097

5 respostas para “População Brasileira”.

  1. Avatar de Silvia Zelinda Boldrin Bach Kauche
    Silvia Zelinda Boldrin Bach Kauche

    Interessante e informativo. Não sabia o que era crescimento vegetativo.

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  2. Gostei das informações , são bem fundamentadas e apresentadas em gráficos de fácil entendimento Vou aguardar os próximos , pois temos que ficar atentos para que possamos acompanhar o crescimento da população brasileira e no que isto implica !!

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  3. Avatar de Rosalba J. P. Sabadin
    Rosalba J. P. Sabadin

    Parabéns! Mtas informações relevantes que eu desconhecia,”crescimento vegetativo”, “número de pessoas sem registros”. Até o próximo.

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  4. Gostei muito do conteúdo, muitas informações eu desconhecia. Ansiosa para o próximo.

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  5. Avatar de Claudia Martha de Oliveira
    Claudia Martha de Oliveira

    Este artigo reforça a importância das políticas públicas de acesso à informação e à educação, pois somente através do conhecimento partilhado poderemos chegar a um país que inclua de verdade todos os seus habitantes.

    Curtido por 1 pessoa

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